Gerência - Metodologias e Processos

A culpa é desse tal de CMMI

Talvez seja mais fácil do que se pensa imaginar por que nós, profissionais de TI, de maneira geral não gostamos de processos. Para começar, a maioria de nós pensa da mesma forma: “- Processos e modelos são extremamente burocráticos...”.

por Roberto Capra Neto



Talvez seja mais fácil do que se pensa imaginar por que nós, profissionais de TI, de maneira geral não gostamos de processos. Para começar, a maioria de nós pensa da mesma forma: “- Processos e modelos são extremamente burocráticos...”.

Quantas vezes já não ouvimos “- Esse CMMI é muito complicado...” ou ainda “- Sou gerente de projetos e na minha empresa, que aplica o PMBOK, e não consigo gerenciar o cronograma de atividades do projeto! Passo o dia preenchendo documentos!”.

Não é objetivo deste artigo esclarecer conceitos básicos, mas para entender onde quero chegar, é importante destacar alguns deles:

Processo: É o conjunto seqüencial e peculiar de ações que objetivam atingir uma meta. É usado para criar, inventar, projetar, transformar, produzir, controlar, manter e usar produtos ou sistemas.

Modelos de qualidade: Conjuntos de melhores práticas em determinada área de conhecimento que são utilizadas para garantir a qualidade dos processos que os seguem.

Ferramentas: Ferramentas são instrumentos que atuam como facilitadores para execução de uma determinada tarefa.

Com base nesses três conceitos muito simples, temos também três regras muito simples:

1. Processos não são modelos de qualidade.

2. Modelos de qualidade não são processos.

3. Processos não são ferramentas. E modelos de qualidade também não.

Não sou um defensor ferrenho de modelos de qualidade, porém na essência, eles não foram concebidos para embasar processos burocráticos. Nenhum deles (CMMI, ISO, COBIT, ITIL, PMBOK) “define” os processos propriamente ditos. Apenas as melhores práticas do mercado sobre como deveriam ser escritos.

Parece simples à primeira vista, mas de maneira geral, as pessoas confundem os modelos com processos burocráticos escritos com base neles. E isso foi o que me motivou a escrever esse artigo.

Você pode estar se perguntando: “- OK, mas isso não muda o fato de existir muita burocracia nos processos que os seguem”.

Vamos ilustrar:

1 - Os modelos de melhores práticas possuem práticas que, se seguidas, garantem a qualidade do produto. De uma forma bem didática, falando do CMMI, há uma área de processo chamada “Solução Técnica” referente à Engenharia de Software. Uma de suas práticas diz mais ou menos assim: “Desenvolver a documentação de suporte do produto”.

2 – Note que não é dito o “como” isso deve ser feito ou implementado (já que o modelo não é um processo, conforme vimos acima). Então, os responsáveis por escrever os processos de uma empresa ou organização interpretam e escrevem sistematicamente como deve ser desenvolvida a documentação do produto (Ex: criam procedimentos que descrevem como o manual do usuário deve ser concebido, padrões, help on line, documentos de apoio, processos, etc.).

Pois está aí, uma das grandes razões para confusão de muitos profissionais não entenderem os benefícios da aplicação de um modelo de qualidade, nos processos de grandes empresas: os responsáveis por interpretá-los. Estes, em alguns casos, deturpam conceitos interpretando os modelos de maneira incorreta e ocorre então uma inversão muito comum: Os profissionais que utilizam os processos começam a questionar o modelo, criando verdadeiro "pavor", e uma resistência desnecessária, a uma coisa tão simples chamada modelo de melhores práticas.

De fato, a maioria dos modelos torna-se complexa pela quantidade de informação disponibilizada em seu conteúdo. Assim como a bíblia (um livro enorme por assim dizer), que é organizada por capítulos, os modelos também são. E isso pode torná-los chatos para quem os lê, e difícil de entender para quem não está acostumado com essa organização.

Mas o simples fato de um processo ser baseado em um modelo, não o torna burocrático. O que ocorre é que assim como sistemas de informação são escritos para cenários específicos, os processos também devem ser flexíveis e adaptáveis a tal ponto que, quando utilizados, auxiliem o trabalho e não o dificultem. E é perfeitamente possível alinhar essas expectativas com a estratégia de implantação traçada para a melhoria contínua.

Antes de adotar um modelo de qualidade, os profissionais devem saber mais sobre ele. Certamente, existem formas de adequar seus processos com base nas práticas de modelos, sem que haja necessidade de tornar seu processo complexo ou burocrático. É muito importante entender o seu cenário antes de começar a adequá-lo as melhores práticas de um modelo.

O CMMI, por exemplo, é dividido em níveis. Esses níveis equivalem à maturidade dos processos que vai aumentando, a medida com que as pessoas que os utilizam também adquirem maturidade.

Além da interpretação, outro fator que contribui para um conceito deturpado é a maneira com que modelos como o CMMI são implementado por diversas empresas no Brasil. Em vários casos, ocorre uma distorção dos conceitos básicos idealizados por seus criadores. O problema muitas vezes também está na pergunta que define a estratégia da empresa para a qualidade: Por que adotar o CMMI?

É muito fácil observar que as empresas são movidas por uma necessidade comum a seus negócios que se resume em obter a certificação para seus produtos e processos. Esse é, sem sombra de dúvidas, o maior erro na estratégia na busca pela qualidade. Obter a certificação é uma conseqüência de “atingir a qualidade” (que deveria ser a resposta correta para a pergunta acima). O que ocorre é que, assim como na vida prática, o fato de possuir um certificado não é garantia de produtos com qualidade ou real satisfação de clientes. Aqueles que detém o poder de decisão nas empresas deveriam refletir mais sobre essa questão.

Ao traçar essa rota, as empresas costumam viver dilemas e travar verdadeiros duelos com os modelos de qualidade, muitas vezes por conta de um erro na estratégia inicial. Motivadas pelo mercado, visam obter o selo “a qualquer custo”, sem preocupar-se realmente com a qualidade.

Você deve certamente estar percebendo que algumas dessas coisas fazem parte de sua realidade. Afinal, quantas vezes já não vimos esse filme?

Ao pensar em incluir uma empresa em sua lista de fornecedores, os compradores deveriam procurar conhecê-la, pois mesmo possuindo certificados de qualidade estampados em suas paredes, estes podem não ser sinônimo de qualidade. Uma simples pesquisa de satisfação de clientes que foram atendidos por um potencial fornecedor pode ser muito útil.

Outra questão pouco levantada atualmente pelos compradores, (mas fundamental) é a procedência do certificado de qualidade. O CMMI, por exemplo, possui um site oficial de seu órgão regulamentador (SEI – Software Engineering Institute) em que as empresas certificadas devem constar.

Maiores detalhes no endereço: http://www.sei.cmu.edu/

De fato, antes de adotar um modelo de qualidade, procurem saber mais sobre ele. Certamente, existem formas de adequar seus processos com base em modelos, sem tornar isso um martírio para aqueles que o utilizam.

Ao navegar pela Internet, é possível encontrar diversos artigos sobre o assunto. Alguns muitas vezes questionando números referentes a ganhos com a implementação de programas de melhoria orientados a esses modelos. Porém, antes de formar sua opinião, preste bem atenção se os autores que questionam os modelos de qualidade, não deveriam na realidade estar questionando os processos de suas próprias empresas, ou ainda, a estratégia traçada para melhoria da qualidade de seus processos. Qual o foco? Qual o objetivo?

Questionar os modelos sem conhecê-los seria equivalente a questionar um livro de melhores práticas da medicina mundial.

Imaginem o exemplo hipotético abaixo:

Área de Processo: Realização de Cirurgias

Prática 1: Lave sempre as mãos antes de realizar uma cirurgia.
Pratica 2: Esterilize os instrumentos antes de utilizá-los em outro paciente

Já imaginaram os médicos questionando as práticas acima? Ou deixando de fazê-las?

Bom, o que realmente espero é que todos reflitam onde está a raiz do problema. Certamente vão chegar à conclusão de que o problema não está nos modelos - CMMI (ou qualquer outro) - e sim nas pessoas.

"Pessoas" que interpretam os modelos;
"Pessoas" que escrevem processos com base em conceitos deturpados ou incorretos;

“Pessoas” que iniciam programas de melhoria sem o foco na qualidade, buscando apenas a certificação;

"Pessoas" que são a solução, que devem ter sempre a importância ressaltada nos processos, mas também fazem parte do problema.

É uma questão de conscientização.

Obs: Muito embora eu não tenha citado aqui metodologias ágeis nos exemplos, elas são iniciativas que, ao contrário do que muitos pensam, estão totalmente alinhadas com qualquer um dos modelos citados nesse artigo.

Um grande abraço a todos!

Roberto Capra Neto.

Roberto Capra Neto

Roberto Capra Neto - Mestrando em Engenharia da Computação, bacharel em Sistemas de Informação, Green Belt Six Sigma, especialista em sistemas distribuídos e Internet, com atuação em diversas empresas nacionais. Membro do SEPG (Software Engineering Process Group) da Serasa - ML3, na adoção de processos com base no modelo CMMI (Capability Maturity Model Integration) - foco nas áreas de Gestão de Projetos, Engenharia de Software e Gerência de Configuração.