Desenvolvimento - Delphi

Traduzindo software com qualidade

A tradução de softwares é uma atividade interessante e que pode ser feita por qualquer um com um pouco de conhecimento de outros idiomas. Mas além disso, algumas regras são importantes nesta área. Veja aqui como traduzir sofwares com qualidade.

por Paulino Michelazzo



A tradução de softwares é uma atividade interessante e que pode ser feita por qualquer um com um pouco de conhecimento de outros idiomas. Mas além disso, algumas regras são importantes nesta área. Veja aqui como traduzir sofwares com qualidade.

Venho traduzindo softwares e documentação técnica há pelo menos dez anos, seja do inglês ou do espanhol para o Português do Brasil. É uma atividade interessante e ao mesmo tempo ambígua ao meu dia-a-dia pois não uso em meu laptop nenhum software em português; todos em inglês. Coisas do vício creio eu.

Neste período tive o prazer de traduzir grandes softwares como dotProject, TikiWiki, Mambo, Joomla!, pequenos softwares ou componentes e também vários outros softwares de clientes. Posso afirmar que é uma área que me dá muito prazer, seja pelo trabalho em si ou ainda pela contribuição que esta atividade carrega em seu bojo pois, com a tradução de um software, mais pessoas podem usá-lo e novas oportunidades se abrem. Uma verdadeira bola de neve com resultados expressivos tanto para o desenvolvedor quanto para seus usuários.

Como não sou desenvolvedor na maioria das linguagens usadas em aplicações para desktop, esta é uma das formas que encontro para colaborar com projetos que me permitem andar na linha sem a utilização de software pirata e também de economizar uma boa soma de dinheiro. Como exemplo, podem ser citadas as suítes de escritório que custam cerca de US$ 300 dólares, os quais são economizados e direcionados para uma viagem ou ainda para a cervejinha do final de semana.

Mas traduzir software (e documentação) não é somente trocar “and” por “e”. Vai muito além disso e possui como qualquer área, algumas regras, criatividade, pensamento lógico e claro, muito trabalho. E aqui vou mostrar um pouco do que é este trabalho em formato de um guia utilizável por aqueles que, como eu, desejam colaborar com os desenvolvedores de software mas não são programadores. Acredite, a tradução pode ser uma ótima oportunidade para ambos.

O ponto de partida: diferenças entre tradução de software e documentação

A principal diferença entre a tradução de um software e a tradução de documentação é a linguagem usada. Em um software, comandos, menus, telas e janelas são traduzidos de uma forma linear, sem a facilidade da dissertação encontrada na documentação. Assim, quando traduzimos um software devemos levar em conta a mensagem passada de determinado comando ou opção para o usuário, de forma rápida e clara. Como exemplo, não é possível traduzir um comando de impressão (Print – Imprimir) para “Clique aqui para imprimir”. A mensagem deve ser curta (inclusive para que possa ser colocada corretamente no espaço destinado à mesma no software) e de fácil entendimento.

Isso não acontece na tradução de documentação, que pode (e deve) ser dissertativa. Utilizando o exemplo anterior, poderia ser usada uma frase como “para imprimir seu documento é necessário clicar na opção Imprimir do menu Arquivo”. Na documentação podemos liberar a tradução para criarmos efetivamente uma nova versão do documento em outro idioma. Este ponto é muito importante e deve sempre ser levando em conta pois a intenção não é fazer uma tradução literal do texto original, mas sim uma versão que possa ser compreendida com facilidade pelos falantes do idioma de destino e que leva em conta todas as nuances da língua, seja falada ou escrita.

O que traduzir

Não temos conhecimento de tudo e não é este o mote de nossas vidas. Assim fazer uma tradução de um texto de física sendo você professor de música, torna-se algo extremamente difícil, cansativo e na maioria das vezes com um resultado pobre. Este comentário serve para aqueles que desejam por exemplo traduzir um game mas não estão familiarizados com esta área. Existem verbetes, termos, gírias e expressões que são somente usadas dentro deste universo e que podem se tornar verdadeiras “pegadinhas” para o tradutor.

Então, se pretende traduzir um software ou uma documentação, procure aquela com que está familiarizado com os termos existentes. Muitas traduções tornam-se verdadeiras obras hilárias por serem traduzidas sem este devido cuidado. Se você não está a par da área de medicina, não tente traduzir um software relacionado com ela. Da mesma forma, se você não conhece de radioamadorismo, deixe que um radioamador faça a tradução. Certamente o entendimento de QRU, QRZ, QTC, RTTY e outras coisas se tornarão muito mais fáceis e estarão perfeitamente inseridas no contexto do software e da documentação.

O que se traduz? Tudo?

Outra situação digna de riso é a tradução de palavras e expressões que não existem no idioma de destino ou que mesmo existindo, não são usadas dentro de determinado contexto. Um exemplo é a tradução da palavra “mouse” para “dispositivo apontador” ou ainda a tradução de “web” para “teia” (pior ainda é “site” para “sítio”). Não existe, para nosso idioma, maior sacrilégio que abrir um software e dentro dele encontrarmos palavras como estas. Além de estarem fora daquilo que é convencionado, conseguem deixar o usuário na dúvida sobre a utilização do comando.

O Português do Brasil (ou o Português Brasileiro, como queira) possui características interessantes que fazem dele um idioma extremamente bonito e diversificado. A capacidade de mesclagem de termos, palavras e expressões de outros idiomas, bem como a criação constante de novos verbetes pela população falante são comuns e extremamente importantes. Ao contrário de nossos colegas de língua lusos, abraçamos comumente palavras estrangeiras e criamos novas, sejam derivadas destas ou não. Quem nunca ouviu um “deletar” dentro de um escritório? Além de absorvermos o verbo “delete” da língua inglesa, mantivemos todas as suas formas. Eu deleto, tu deletas, ele deleta... Claro que não devemos levar ao extremo esta qualidade. “Printar” não é aceito nem mesmo pelos mais incultos ou ignorantes nas ciências computacionais; o correto é “Imprimir”.

A melhor dica para não cometer estes deslizes é criar uma lista de palavras que não devem ser traduzidas, ou seja, um mini-dicionário pessoal que pode ser consultado sempre que aparecer um “hard disk” (traduzível para disco rígido), um mouse (não traduzível) ou ainda um preview (pode ser traduzido ou não).

E na documentação? Tudo é traduzido?

Depende. A documentação permite algo que não é possível (somente em raros casos) nos softwares: a adaptação da linguagem original de tal forma que seja criado um contexto correto no idioma de destino. Explico: a frase “show me the code” pode ser traduzida de duas formas: “me mostre o código” ou ainda “mostre-me seu código”. Qual está correta? Depende do contexto onde a frase está sendo usada. Se existe um sujeito na oração, a contundência do “mostre-me seu código” é melhor empregada que “me mostre o código”.

Outro ponto que sempre cria frases sem nexo é a forma de criação das orações em inglês. Um exemplo típico é este: “It"s probably localized into your native language, too.” Se esta frase for traduzida literalmente, fica: “Ele provavelmente está localizado em sua língua nativa também”. Mas e que tal assim: “Ele também deve estar traduzido para seu idioma nativo.” Qual a diferença? Ambas não estão corretas? Sim, estão, mas o segundo exemplo possui uma melhor “estética” na leitura.

A documentação então não é somente uma tradução das palavras e frases, mas sim um verdadeiro trabalho de adaptação do conhecimento que ali está expressado em forma de palavras para um novo idioma. Mas tome cuidado. Muitas vezes pode-se perder o contexto do que se deseja informar se esta adaptação for muito profunda. O ponto exato que separa a boa frase daquela sem nexo somente é descoberto com a prática da tradução e diversas leituras daquilo que está sendo traduzido.

Valores e siglas são traduzidos?

Muito raramente. Valores devem ser convertidos para a moeda local usando parênteses: O software irá custar US$ 1 milhão (R$ 1.93 milhões). Da mesma forma siglas e acrônimos não devem ser traduzidos, mas sim explicados: “a linguagem XML (Extended Markup Language – Linguagem de Marcação Estendida) é usada para a troca de informações”.

Entretanto existem alguns casos onde a tradução é permitida, como por exemplo, siglas usadas para denominar cidades ou estados (principalmente americanos). “O game foi criado em LA”, fica: “O game foi criado em Los Angeles” (observe que game continua no idioma nativo). O mesmo pode ser usado em NYC (cidade de Nova York) ou ainda suprimidas como em Washington D.C. (cidade de Washington).

Casos estranhos

Anteriormente comentei sobre NYC – cidade de Nova York e grafei o nome da cidade parte traduzida, parte não. Este é um típico caso onde o bom senso prevalece e ambas as grafias estão corretas. Se você escrever em um documento oficial Nova Iorque, estará correto. Entretanto se escrever Nova York, também é aceito na maioria dos documentos. O mesmo acontece com Washington onde o D.C. (que indica a capital federal e não o estado de Washington) foi suprimido. Entretanto se estiver traduzindo um texto onde o estado é citado, é obrigatória a especificação do “estado de Washington”. Washington somente, para nós, é a capital dos Estados Unidos.

Expressões regionais, gírias ou formas locais do idioma

“He Passed away” - Ele não passou para lugar nenhum, ele faleceu!

Tome cuidado com expressões que não conhece o contexto. Muitas vezes elas podem descaracterizar qualquer tradução. Outro exemplo? “You are fired!” - A pessoa não foi queimada ou levou um tiro, ela foi demitida do emprego.

Mantenha sempre um contato próximo com o desenvolvedor e quando não compreender realmente o que ele está querendo dizer, pergunte. Muitas vezes o uso de determinada expressão dentro de uma frase pode ter um objetivo muito diferente daquele que você está imaginando.

Dicas para a tradução

Claro que dicas para a tradução não poderiam faltar. Algumas, óbvias e outras nem tanto mas todas certamente úteis são encontradas aqui neste resumo.

Traduzindo um software

l Mantenha sempre o software que está sendo traduzido aberto em sua tela. Com isso podem ser verificadas as palavras e expressões, bem como o contexto delas dentro do sistema;

l Verifique se a tradução é compatível com o espaço destinado à ela. Caso não seja, convença o desenvolvedor a aumentar um pouco o espaço ou ainda fazê-lo flexível, explicando que a palavra, quando traduzida, extrapola a área existente;
l Não se prenda a tradução literal. Adapte o melhor possível a informação que está sendo passada para o novo idioma;
l Tome cuidado com siglas e valores. Especifique-os no idioma local sem remover o original;
l Mantenha sempre o contexto do assunto/tema que está sendo traduzido, inclusive acrescentando palavras ou expressões a fim de melhor explicar.

Dicas para ambos os casos
l Cuidado com as palavras não traduzíveis. Crie e mantenha aberto um dicionário com estas palavras para consulta;
l Muna-se de um dicionário do idioma nativo. Se está traduzindo do inglês para português, consiga um dicionário inglês-inglês. Com ele você obtém todos os usos de determinada palavra e pode adaptar para o melhor no idioma de destino;
l Cuidado com termos muito técnicos. Não crie frases que precisam de explicação adicional para determinado termo, a menos que o original possua esta opção. O mesmo vale para expressões e gírias locais.

Finalizando
* Paulino Michelazzo é desenvolvedor web desde 95 e escreve com regularidade para vários canais na Internet e revistas nacionais e internacionais. Atualmente é Systems Developing Specialist na missão da ONU – Organização das Nações Unidas no Timor-Leste.

Paulino Michelazzo

Paulino Michelazzo - Especialista em ferramentas de gestão de conteúdo e escritor técnico. Atualmente atende clientes nacionais e internacionais de vários segmentos pela sua empresa Fábrica Livre (www.fabricalivre.com.br) provendo soluções em Drupal, Mambo e Joomla!